República do Pensamento

AS VÁRIAS FACES DA POESIA


Elaborar o trauma para construir a trama.

Saber lidar com o espanto para transformá-lo em fascínio.

Tirar do caos o caso que embala uma história profunda.

Buscar na ordem motivos para expandir a percepção sobre os fatos.

Plantar a semente no céu para colher os frutos na terra.

Encontrar o oxigênio, mesmo que o ar se mostre irrespirável.

Querer a fome, mesmo diante da faca e do queijo na mão.

Notar a graça da sede que vai além da água.

Perceber que é melhor viver no mundo do luar do que no mundo da lua.

Fazer dos raios solares a luz que nos aquece, e não a que nos queima.

Compreender que despertar vai além de acordar.

Entender que mais vale o recolhimento do que o repouso.

Crê que a imaginação é mais importante do que o conhecimento.

Contribuir autenticamente para a ciência do envolvimento.

Optar pela graça quando o assunto é beleza.

Desenvolver uma militância alerta em nome da qualidade existencial da Humanidade.

Revelar os encantos presentes no ócio recreativo.

Trabalhar, quando o salário é o bem-estar.

Lambuzar-se de tinta para expor a diversidade de tons presentes na vida.

Experimentar a morte como a oportunidade que temos para matar a fome das rosas.

Arriscar-se sentimentalmente, sem cair na tentação de perfumar a flor.

Aperfeiçoar a arte de ouvir com a boca e o ofício de comer com os olhos.

Reconhecer-se como um albergue de sentidos e não como uma morada de sentido domesticado.

Ficar atento para os momentos em que o coração pensa e a cabeça palpita.

Inventar o amor quando a realidade é a solidão.

Descobrir que o bicho de sete cabeças se chama normalidade, e não loucura.

Brincar com as palavras para melhorar o silêncio.

Musicar o barulho para transformá-lo em melodia.

Lapidar os excessos para esculpir a leveza.

Defender o verso livre.

Acolher a rima pobre.

Espantar a métrica tétrica.

Buscar o título que não seja o de nobreza.

Tirar leite de pedra.

Acompanhar o vôo das idéias e notar o pouso delas, que é a reflexão.

Assumir que agir é fazer arte.

Dar nó em pingo d’água para que haja chuva no sertão.

Valorizar as reticências, que nos fazem parar para pensar.

Questionar o ponto final, que nos faz parar de pensar.


* Marcos Fabrício