República do Pensamento

EU SOU...


Eu sou o amador profissional,
o feio que inventou a moda,
o bonito que furou a roda,
a coceira mais gostosa que você já sentiu.


Eu sou a santa puta que te pariu.
Eu sou a paz armada, a estrela anônina,
a guerra abençoada, a bosta mais idolatrada.


Eu sou a lua do meio-dia.
Eu sou o sol trovejante.
Eu sou a chuva radiante,
a poesia dor-de-cotovelo
e a prosa ruim da sogra


Eu sou o surdo que toca os seus ouvidos.
Eu sou o mudo afim de mudança.
Eu sou o silêncio barulhento.
Eu sou a greve do burguês.
Eu sou a folga do operário,
o criado mau-criado.
Eu sou a chave que não tranca,
o cofre sem segredo.
Eu sou o dinheiro rasgado.


Eu sou a frieza do fogo que queima.
Eu sou a quentura do gelo da tremedeira.
Eu sou o carnaval fora de época.
Eu sou a bagunça organizada.
Eu sou o escuro que gerou a luz.
Eu sou a caneta sem tinta.
Eu sou o lixo que não para na lata do lixo.


Eu sou a vida que tapeia a morte,
o álbum de figurinha repetida.
Eu sou o chefe que não xinga.
Eu sou o rebelde obediente à causa,
a ovelha que deu um pé na bunda do pastor.
Eu sou o padre que foge da missa.
Eu sou o macumbeiro que recebe Darwin.


Eu sou o machão que faz xixi nas calças.
Eu sou a mulher que não engravida nunca.
Eu sou fã de porco espinho.
Eu sou o chato do síndico.


Eu sou a TV desligada.
Eu sou o rádio jogado contra a parede.
Eu sou o fora da rede.
Eu sou o jornal de ontem.
Eu sou o anúncio da tristeza no horário nobre.


Eu sou a garota de ipanema que deixa o créu na saudade.
Eu sou o egoísta que precisa de caridade
Eu sou a pimenta na turma do refresco.
Eu sou aceso quando durmo.
Eu sou dorminhoco quando desperto.
Eu sou duro quando rola conversa mole.
Eu sou mole quando lembro que não sou de ferro.


Eu me acomodo sem ser acomodado.
Eu me preparo para saber errar.
Eu misturo para poder combinar.
Eu separo quando quero casar.


* Marcos Fabrício