República do Pensamento

FOME DE TRATOR


Eu me desmonto na anti-matéria do tédio
Alimento-me de uma dor constante que me consome
Não sou alegre e nem levado por uma profundidade serena
A felicidade me visita com hora marcada para sair
Dentro de mim o espinho faz da flor uma pedra no sapato
Uma fúria de arquivo morto empata o meu presente
Futuramente uma esperança desbotada aparece no horizonte
Tempo nublado com pancadas de chuva e greve de sol
Um pássaro de asa quebrada cai no conto da gaiola
Talvez o céu seja grande demais para quem gosta de buraco
O medo tira o pirulito da minha criança
Adulterado envelheço como vinagre
Falta-me sabedoria de peixe para não me afogar
A vontade de sumir ainda peleja com o desejo de ficar
É muita sutileza no ar e a minha fome é de trator
Dou patadas de elefante porque não consigo conviver com a minha tromba
Meu sofrimento chama tanta atenção
Que pareço uma floresta incendiada
Carente por água e mais água
Despacho malas e malas para tirar férias da minha vida particular
Sustentar vários dentro de mim exige um estoque de máscaras
Mas só gosto de usar as mesmas – chamo isso de sinceridade
O que consigo é no máximo beber um licor de tempo matado
Porque quem conversa demais espanta a presença do silêncio
Até o beijo da mulher amada me amarga
Parece gasolina quando deveria ser poesia
Culpa da carga explosiva presente nessa dinamite de carne e osso
Que oferece o pavio de mão beijada pro fogo morto
Colocar o meu na reta
Exige um cú que saiba onde o vento faz a curva


* Marcos Fabrício