República do Pensamento

MEDO

Chego em casa cedo.
Abro a janela para sorver uma lanhada de ar da madrugada.
Não consigo dormir, pois só uma imagem me vem.
Procuro em outros olhares, bocas e cheiros o que me convém,
mas não consigo.
É tudo tão irreal, forjado sobre cinzas de um pássaro alado que não existe.
Não consigo encontrá-la e isso não me conduz à claridade.
Eu entendo que aquilo que me pertence não se chama negação,
somente a afirmação da minha inércia neste preâmbulo.
Não é bom termos tantos parâmetros, pois o óbvio pode ser instigante.
Gosto das vias diretas e não me importo com o fugaz.
Tenho medo de perdê-la, contudo não sei como tocá-la.
Será que hoje, amanhã ou depois falo o quanto eu a amo?
O que me divide é o medo, a incerteza e a impertinência
de tomar um espaço que foi tirado de mim e com o meu consentimento.
Só orgulho é pouco e muito é o medo?
O meu desejo para no limite do outro, mas se não falar minha mente fica turva.
Se não me declarar posso me arrepender,
Mas se pronunciar um verso tenho que escutar firme a réplica.
A certeza que me cabe só foi medida pelo tempo que processo as informações.
Uma hora normal é um ano nos meus alfarrábios.
Mas isso, meus amigos, não é fruto meu não!
Isso foi plantado e cultivado da pior maneira possível.
Aquela que poderia ter me regado com aroma de lírios
fez a devassidão em pequenos instantes.
Então, como confiar no coração do outro?
Enquanto o seu se abre, o do outro se confunde e te faz cair em penumbra,
a ausência mais torpe de luz.

* Alexandre Henrique