República do Pensamento

VAGAMUNDO


Sono,
por favor, vá embora!
Volte mais tarde!
Agora não posso abrir as portas dos sonhos
e deixar para trás
o exército dos cabeças de papel.
Se eu não marchar direito,
vou preso pro quartel.
Pro quartel não pegar fogo,
preciso ficar de olho no lance,
conferindo nota por nota
o samba de uma nota só.
Batuco, de segunda à sexta, as teclas
que computam todo o movimento
da minha seção.


Minha insônia velha de guerra
também atende por gandaia.
Noites viram noitadas.
De manhã, cheio de manha,
fico em bons lençóis
até que o empata-sono berra comigo:
“Vai trabalhar, vagabundo!”


Quer trabalho maior do que ser vagamundo?


Meu Deus,
eu não sou de ferro.
O mundo seria mais doce
se todos fossem de caramelo.


A vida prega cada peça na gente:
Onde se ganha o pão
também se ganha a cachaça.
O chefe passa por mim,
pisando em pregos.
E eu passo por ele,
pisando em ovos.
O manda-chuva dispara aquele olhar de carimbo,
querendo me grampear.
E eu me defendo com o quadro de avisos,
dando nó em pingo d’água,
sempre alerta, todo ouvidos.
Rezo todos os dias para Nossa Senhora do Ponto
à espera do milagre do fim do mês.
Pontual como sempre,
carrego piano durante o dia
até chegar o happy hour,
quando passo a levar a vida na flauta.


Troco o dia pela noite.
Minha vida é um concerto.
Quem troca a noite pelo dia
é que precisa de conserto.




* Marcos Fabrício e Rodolfo Monteiro