República do Pensamento

AO ESPELHO, MEU SINCERO DESACATO

ao espelho
meu sincero desacato

seu disfarce
de revelar tudo
é um absurdo

escravo da imagem
não pega o conteúdo

contenta-se com a forma
não tira coelho da cartola
é a cópia comandando o original

sou canto e palavra
bom e mau, sóbrio e imundo
mas você é uma ilha de edição
na ilusão congelada dos segundos

quer ser um fiel retrato
se acomoda com a casca
não fotografa o bendito fruto
do meu interno produto bruto

o seu reflexo não tem reflexão
foge do acaso para contemplar a chata disposição
nada fora da ordem na sua reprodução

todo o espelho terá o seu dia de vidraça
lançada a pedra, você se despedaça
e a nossa vaidade vai experimentar uma inédita graça
sem sorriso amarelo, ela vai sair por ai despenteada

* Marcos Fabrício e Guilherme Terra