República do Pensamento

CEMITÉRIO AFETIVO
para os sobreviventes da seca

Bate uma cruz dentro do meu peito
Minha mão carimba tua face
Permito tua entrada em meu recinto
Após avaliar o curriculum vitae
Entrevisto você com frases feitas
Anexo teu desempenho à carta de recomendação
Indicado por mim você vai longe
Sem tirar a bunda da cadeira
Alimento tua estabilidade de fim de mês
Aposento teus sonhos
Troque eles por botões de controle remoto
Você é mais um em meu arquivo morto
Teu destino está traçado na folha de ponto
Faça o favor de ficar de bico calado
Caso o contrário vou te grampear no quadro de avisos
Decore bons dias para início de conversa
Termine logo o papo dizendo que está ocupado
Se arme até os dentes com o teu sorriso amarelo
Evite debates em tua mesa
Tire férias do cerébro e coloque cerca elétrica no coração
Pensar ofende
Amar machuca
Gosto de filosofia barata
Porque pensar custa caro
Aprenda a dançar com o balanço contábil
Assegure o teu lugar na dança das cadeiras
Use como escudo tua pasta de documentos
Mantenha sua carteirada em dia
Escove teus dentes com whisky presenteado pelo chefe
Baseado na minha carreira
Minha vida é um porre nada homérico
Para não ser multado
Vomite no bar tuas crises
Pendure a conta para dizer que tem crédito
Abra uma grande empresa de emparedados
Expresse sua marca registrada na conta corrente
Dê preferência ao teu carro novo
Maria Gasolina não tem TPM
Viva com ela em um barril de petróleo
Um beijo na boca espera por autorização superiora
Mergulhe de camisinha no problema
Programe seu orgasmo no motel para não dar bandeira
Gere teus filhos em papel caborno
Nada de autenticidade
Seja autenticado em cartório
Camaleônico para ser platônico
Cicuta para os socráticos
Deteste fim de semana
Pois segunda-feira é o dia do $enhor
Cheque bem por onde anda
Antes só fazendo conta
Do que acompanhado dando conta
Menos brasa mais ilha
Esperança aqui é nome de cemitério
Transforme sua bat caverna em um palácio
Meu novo sonho é se esconder em Águas Turvas
Assim você continua separando sua vida em setores
Exceto o Setor O de otário que me enoja
Rei na barriga pra cantar de galo
E não despertar ninguém
Minha pele é um casaco de general
Lambo as botas dos meus amigos de colarinho branco
Não finja de morto
Nem seja muito vivo
Morto-vivo é a saída
Embalado em meu caixão cinco estrelas
Não quero me abalar com os tiros de vida lá fora
Sou um sujeito terno-gravata
Meus sapatos lustrados pelo engraxate descalço
São chuteiras prontas para entrar em campo
De concentração de renda
E não fazer feio
Crack em busca de heroína
Sou o cara de um milhão de reais
Tombado como patrimônio cultural da humanidade
Adoro dá tombo nos outros
Como ando chique
Minha bosta bóia no lago
Que engole meus sapos
A Terceira Ponte de safena
É o cartão-postal do feudo onde vegeto
Vamos enquadrar o cerrado
Porque ele estraga a maquete
A onda é ser marionete
Porque o mar é pra poucos peixes
Visite a Niemeyerlândia
Munido de sua JK-60
Decore os versículos da Arte da Guerra
Mate sua gula concurseira
Em nome do Sermão do Planalto
O Sermão da Montanha já era
Pardal aqui multa
A faixa de pedestre é a Faixa de Gaza
Que impede o meu tanque de seguir atropelando barreiras
Gosto de praça que tem três poderes e nenhum saber
Dou minhas canetadas debaixo das pernas do povo
Pra doutor não reclamar
O Plano de vôo é aterrizar antes de decolar
Congele suas asas
Não saia dos eixos
Queira a solução sem saber do problemas
Um pé na bunda
E boa viagem
Bem-vindo à Terra do Sempre

* Marcos Fabrício