República do Pensamento



Roubolation
Marcos Fabrício Lopes da Silva*




Dois partidos dividem o poder político no Brasil: os caras-pintadas de ficha limpa e os caras-lavadas de ficha suja. O primeiro time se evidencia pela conversa afiada, o outro se esconde na conversa fiada. Um elenco deseja o saber de consumo compartilhado, já o segundo se reserva na defesa do poder de compra acumulado egoisticamente. O mérito e a coerência intra e interpessoal não joga no mesmo time do vício anti-social de fazer a média, que nivela todos por baixo. Um grupo deseja arrumar a cozinha, na contramão está a outra parte que só quer fazer sala. Há um setor que cata o luxo no lixo e outro que não se lixa pro lixo para ficar com o luxo luxuoso. Muitos plantam e não colhem, poucos não plantam e colhem. Quem pula na frente não quer saber de quem corre atrás. No rodeio, o peão acaba fazendo o papel de touro mecânico dos agroboys. Muitas vezes bate o martelo um sujeito prego. Trezentas picaretas são ignoradas por anéis de doutor.


Macarrônico sem ser biotônico, o país, de maneira camaleônica, pratica a “utopiada”, conforme destacou o poeta José Paulo Paes, em Seu metaléxico (1973). Como banquete para as traças, a utopia e o seu encantamento ímpar, ressaltado por Mário Quintana, em Das utopias (1951):
“Se as coisas são inatingíveis...ora!/Não é motivo para não querê-las.../Que tristes os caminhos, se não fora/A mágica presença das estrelas!”. Falar de utopias é falar da história do homem que se depreende do desajuste entre sociedade real e idealizada: o mundo que é não corresponde ao que deveria ser. A sociedade encontra, na formulação utópica, modelos que resistem à aceitação passiva de força mantenedora do status quo. Jerzi Szachi, em As utopias ou a felicidade imaginada (1972), estabelece a distinção entre utopias escapistas (que se definem pelos sonhos por um mundo melhor sem um comando de luta) e utopias heróicas (que incluem um comando de ação). Neste último grupo, estão as utopias da política (expressas pelo desejo de transformação social desde seus fundamentos).



Contudo, cabe destacar a diferença abissal existente entre o socorro populista e a rede de proteção pública no fazer político. Ferramenta de promoção do bem comum, a política, quando é reduzida à esfera privada, não se respalda em propostas e programas de extensão coletiva, e sim em simpatias e empatias restritamente pessoais. Quem tem nojo da política é governado por quem não tem. E os maus políticos tudo fazem para usar o poder público em benefício de seus interesses privados. Lima Barreto foi certeiro no alerta feito na crônica Elogio da morte, de 19/10/1918: “Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas. O que é preciso, portanto, é que cada qual respeite a opinião de qualquer, para que desse choque surja o esclarecimento do nosso destino, para própria felicidade da espécie humana. Entretanto, no Brasil, não se quer isto. Procura-se abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos poderosos e prepotentes”.



A segurança preventiva tem sido enjaulada pela segurança repressiva, a ponto de cadeias serem mais aclamadas do que cadeiras, por parte das autoridades-otárias. Os pinóquios incuráveis confundem promessas compridas com promessas cumpridas. Realizar significa somente ajustar as realidades do reino à realidade do rei. O caixa dois continua sendo marcado pela “conthabilidade” do conto do vigário fora da contabilidade dos contos da igreja. Principalmente em tempos eleitorais, a política vem sendo deturpada, como se ela fosse a titica que põe ovos de ouro. Só que a galinha em questão vive uma crise de identidade crônica há 510 anos. Errando o português e ignorando acertos zumbis-tupis, vivemos a ordem dos sem reais e o progresso dos cem reais. Falácia é acreditar que basta a galinha se transformar em raposa para tomar conta do galinheiro. A grosseria do temor não joga no mesmo time da sutileza do respeito. Confundindo alhos com bugalhos, vivemos um dilema-cilada: da cintura para cima, somos AI-5; da cintura para baixo, Chico. Resultado: alimentamos uma esquizonação dividida entre a favela Primeiro de Maio e o condomínio Primeiro de Abril. Alguns VIP, muitos VAP, e poucos, ZAP!


Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, expôs, em 1995, na canção, Luís Inácio (300 picaretas), a onipotência elitista e a impotência popular por trás do ufanismo conveniente: “Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou/São trezentos picaretas com anel de doutor/(...)Eu me vali deste discurso panfletário/Mas a minha burrice faz aniversário/Ao permitir que num país como o Brasil/Ainda se obrigue a votar por qualquer trocado/Por um par de sapatos, um saco de farinha/A nossa imensa massa de iletrados/Parabéns, coronéis, vocês venceram outra vez/O congresso continua a serviço de vocês/Papai, quando eu crescer, eu quero ser anão/Pra roubar, renunciar, voltar na próxima eleição”.


Em 2010, a trilha sonora da corrupção política é a paródia escrachada, Roubolation, de Maicow Pinto, talentoso músico e humorista paraibano: “Alô minha galera, prestem atenção/Roubolation é a nova sensação/Quem tem quinze anos fica de fora/Que vai começar a eleição/O seu voto é bom, é gostoso demais/Mulheres na frente, homem atrás/E a mão na carteira que vai começar!/O Roubolation tion, O Roubolation/O Pegadation tion, o Pegadation/O Prometetion tion, o Prometetion/O Enganation tion, o Enganation/Roubolation é bom, bom,/Roubolation é bom bom bom/Roubolation é bom, bom,/se você confirmar fica melhor”. Eis a sátira dedicada às utopiadas monásticas defendidas ardilosamente por um pequeno grupo de pessoas que se isolam junto a seus pares para impedirem a reformulação radical da sociedade. Porém, sabemos que para haver uma política afinada, o som da maracangalha empolgante deve triunfar sobre o barulho da maracatuia destoante.




* Poeta, autor de Dezlokado (2010). Jornalista formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG.