República do Pensamento: fevereiro 2011

Modelo também foge do padrão

* Marcos Fabrício


ESSA PALAVRA

risca essa palavra do dicionário
da tua agenda, da tua rede neural
esmigalha essa essência do imaginário
da tua prenda, da tua ode moral

sai do coma em breve gesto
não deixa resto, que assim renasça
atira essa cortisona em fundo cesto
não pensa nela, que assim desgraça

risca essa tentativa do teu diário
da tua escala, da tua teia natural
estraçalha essa clemência de campanário
da tua alma, da tua onda anormal

cai em forma em louco gesto
não digas "empresto", e sim "é meu"
atira-te à própria zona, em puro atesto
nessa palavra, que sou só eu. 

* Luiz Cláudio Pimentel


Ponto G.

Vou pro espaço quando nossa geometria espacial encontra um ponto em comum

* Rodolfo Monteiro


CANALHA (candangotango)


Já era hora,
sacana,
miséria ativa

cegou a cura,
canalha,
mero engano

clamei, aos prantos,
repulsa querida

perdi os pontos
impulso cigano

já era estúpido
amor explodido

partiu pra farra
canalha, ó desengano

cremei as pontes
expulsa a bandida

parei um pouco
senti, que te amo.
 
* Luiz Cláudio Pimentel


AOS PRACINHAS DA II GUERRA

patria minha
meu amor
se já empunhastes
a arma em guerra
foi para
semear o amor


* Gustavo Footloose


no vagão da frente
deste trem
vejo primeiro
quem me espera
na próxima estação

* Gustavo Footloose


O primeiro lugar é o primeiro a sofrer de complexo de pódio


* Marcos Fabrício


AS RETAS DA AVENIDA COMERCIAL DE BRASÍLIA

não contes com isso, jovem!
o que aprontas aqui, breve terá reviravolta
o que descontas ali, em outra ponta vem
com multas e correção

sonhas em não ver o passado à tua frente
quando de pronto ele surpreende,
passa rente a ti

imaginas dividir a felicidade por igual?
para ti só haverá o mal
para elas, a brilhantina

imaginas superar a nervosidade natural?
para elas, o alto-astral
para ti, a morfina 

* Luiz Cláudio Pimentel


GRANDE ANGULAR

Pausa em mim
instantes de tua percepção
Retém, assim
tua lânguida expressão  

devora-me com olhares, que me rendo
ampara-me com teus braços, que me estendo em tua direção

encara-me com o coração, que me emendo ao teu
 
quero fotografar
milissegundos de felicidade
quero encadernar
macrofissuras de bondade
quero me recusar
a evoluir na idade, junto de ti

encara-me com atitudes, que me iludo
escora-me com tuas pernas, que me jogo frente tua visão
estuda-me todo, que aprendiz não serei em vão
encara-me com o coração, que teu serei em tudo 

* Luiz Cláudio Pimentel


A HORA

me surpreende teu jeito
de não querer,
ardendo de vontade de se expressar,
por dentro

só quem não entende teu pulso,
estranha teu viver
lutando pela vontade de se revelar,
por inteiro

não, nunca me arrependerei
de ouvir tua firme voz

marcando passos arteiros
teu olhar, mirando horizontes certeiros


não, nunca me arrependerei
de sentir tua pele flor
pisando poses de freira
teu andar, incandescente passageira

a hora é essa
se junte ao meu desejo
guardo o teu beijo
delicada peça

a hora é essa
me inundo em teus braços
estreita o laço
afasta a pressa

* Luiz Cláudio Pimentel




IMPROVÁVEL

o esforço é contínuo! soa perecível
o desgaste é iminente... ecoa, invencível

nossa sintonia é pouca! como fosse improvável...
nossa atonalidade é louca... como fosse impublicável

nos pontos menores
faremos horizonte
nas maiores dores
fixaremos ponte

dos contos, flores
das contas, cores
dos sonhos,
amores 

* Luiz Cláudio Pimentel


NATUBELEZA

água caiu do céu
molha o cabo verde
mundo cheio de flor
fruta sabor semente
luz do esplendor
raiz pingo de gente

sombra redentora
galhos feito abraços
teia acolhedora
laços delicados
força da união
ninho e voo dos pássaros

* Marcos Fabrício


SUJEITO COMPOSTO

eu a vejo em meus sonhos, tão verdadeiramente reais
a sinto, em presença impávida
cheia de vida, mas solta-a aos poucos, entre tragos
cadarços amargos, de fel

eu a miro em meus olhos rasgados, tão estupidamente fitos
a crio e recrio, em ausência inválida
cheio de esperança, mas prendo-a muito, entre suspiros
rechaços antigos, de dor 

* Luiz Cláudio Pimentel


INQUIETUDE

A outra parte da relação, sou eu
a inquietude, a plenitude platônica

o outra parte da ação, me pertence pouco
a solitude, a atômica perplexidade

o teatro contém vários idiomas
onde duas faces se exultam, ou se lamentam
não há termo do meio

o drama contém poucos aromas
mas as dores se expandem, ou se realimentam
não há amor pela metade 

* Luiz Cláudio Pimentel


não bastasse a vida cheia de interlúdios
estamos presos
todos cabeludos
cravados

de dentro do centro
do corpo
há imensidão
não

basta!


*Gustavo Footloose


QUEM ERA EU APARECEU

quem era eu apareceu
pintou e bordou com o meu presente
êta adulto decadente
a criança ainda não morreu

só porque passou a fase
a molecagem continua
ainda preso à idade
não quer mais saber da rua

da casa pro trabalho
sempre o mesmo itinerário
não sabe o que fazer
com o seu tempo de lazer

compromisso na agenda
diversão com hora marcada
namorada fica na bronca
visita aos pais sempre adiada

esquecendo o sorriso
sapeca virou careta
na frente vem só a gravata
o sujeito ficou na gaveta

no rabo do cometa
sonhava em conhecer a lua
no vício da roleta russa
a vida somente encurta

quem deixa de fazer arte
vai com a vaca junto pro brejo
chame de volta o seu encanto
bom humor é sempre remédio

* Marcos Fabrício


HORA DE DIZER O QUE DEVE SER DITO

quero querer você
podias saber logo
posso perder tudo
saberias escapar à toda

posso olhar você
devias amar isso
poderia arriscar tudo
esquivarias a rir disso

chegou a minha hora
a tua, foi-se agora
de dentro do meu peito

bastou a tua hora
a minha, foi-se embora
findou, não tem mais jeito 

* Luiz Cláudio Pimentel


RONALDO BRASILEIRO

é do Brasil esse mago da bola
do olhar confiante ao sorriso maroto
dá-lhe, garoto!
o drible tão redondo
desconcerta em harmonia
faz para a massa, pura magia
Lavando a alma rubro negra
Que deseja não conter alegria,
Gol RS, Nota 10!

* Luiz Cláudio Pimentel


LOCO ABREU

Loco com fome de bola
Abreu abrindo as portas do gol
Com sua plástica cavadinha
Avança da marca da cal
A redonda que flutua
Do pé ousado de quem a toca
Botando fogo no mundo
Que não suporta mais tanta retranca

* Marcos Fabrício


cruzes/crises

Cruzes!
Crise chega, e se instala, viral

Crises!
Cruz se apega, e abençoa, batismal


nada mais frágil e forte
na debilidade do conhecer
a fortaleza da revelação

nada mais fútil e férreo
na causticidade do saber
a agudeza da absolvição


* Luiz Cláudio Pimentel


preciso da imprecisão
para precisar

o diabo da dor dá
um santo remédio

água mole em pedra dura
para que tanta frescura

copo pequeno
não resolve
sede oceânica

fome de leão
mas a comida
é de passarinho

* Marcos Fabrício


do jeito que nós vivemos
não espere pelo epitáfio
nos labirintos da moral
entre nós
o direito à ternura
o mel do melhor
a poesia do encontro
entre os fios do amor

* Marcos Fabrício


Soluções da Meia Noite (Receita do Grande Amor)

1 kg 
doçura, 
cerveja, 
chocolate, 
morangos

1 kg 
bem salgadinho
de fofuras, recheios e sorrisos

10 ton de amargura, a caminho. 
Reserve, se possível, não preserve.

500 g de lágrimas do crocodilo para a crocodila
(e vice-versa)

Tente misturar, sem bater
Tente não se meter, quando dá nos nervos
Tente, tente, tente
e não desista
Insista

Restará o sol, o suor, as lágrimas, e um grande amor,
Faltará um ingrediente principal, que pediu pra sair.


moçabandida

moçabandida
bandidamocinha
garota con vida
na linha, atrevida

bandida, mocinha
me tira da linha,
se vier, eu tô a fim

* Luiz Cláudio Pimentel


u.ti (último, terminal idealismo)
última para ti
terminal missiva

vã tentativa de tecer, de TI ser

como não o sou,
vou

como não me queres,
feres

e como o fazes!

atroz, atropelas
desfazes o pouco

sigo como louco
isso, bem sei que estou. 
* Luiz Cláudio Pimentel
 


PENSO LOGO EXÍLIO


* Marcos Fabrício


poesia para o meu filho

você é parte de mim
e não é meu

você puxou a mim
e não sou eu

você me copia
e me dá lição de moral

você me chateia
e ainda me acha legal

* Marcos Fabrício


SAMBA DO PLANALTO

meu samba é do quadradinho
é do cerradinho
é do sol rachando
meu samba é do passarinho
é do aviãozinho
que faz muitos planos

meu samba bate asas e avoa
sai dos eixos só na boa
no batuque federal
nem o monumento
agüenta ficar parado
da cartola sai o coelho
é o samba do planalto

* Marcos Fabrício